sábado, 31 de março de 2012

Goa Velha

Goa Velha era a cidade de Goa até meados do XVIII. Depois de uma sequência de pestilências e pragas, o governo local resolveu transferir a sede administrativa para Panaji, mais perto da boca do rio Mandovi. Restou uma pequena cidade com igrejas imensas. Com o tempo, só as igrejas ficaram e hoje são uma espécie de parque temático jesuíta e um "heritage site" da UNESCO.
As igrejas impressionam pelo tamanho. Maiores do que qualquer outra igreja construída nos domínios portugueses do ultramar. Nem se menciona a timidez das próprias igrejas portuguesas. Mas fazia sentido: os portugueses queriam impressionar pela grandiosidade, em parte porque competiam com outras devoções poderosas, islâmicas e hindus. E igrejas como a de São Francisco de Assis haviam de impressionar, de fato.

Goa

Goa! Depois de ter ouvido tanto dos meus amigos indianos que Goa merecia a visita, me rendi ao óbvio. Óbvio, sim, porque Goa é a India "portuguesa" e parece o destino mais convencional para um brasileiro, neto de portugueses (mas sem nenhum traço de orgulho "nacional" envolvido), que viaje ao subcontinente.
E, de fato, as conexões estão em toda parte. Conexões talvez não exatamente portuguesas, mas oceânicas e crioulas. Conexões que fazem que cheiros, gostos e mesmo pessoas se pareçam tanto em Goa e, por exemplo, no Pará (outro lugar oceânico e crioulo que conheço melhor). Realmente impressionante!
Quando à "herança" lusitana: diria que, melancolicamente, não resta muito. Como na foto que ilustra este post: um nome pendurado no alpendre de uma porta bastante decadente.
Mas, sinceramente, nenhum problema com isso! Os portugueses, que estão enfrentando a ameaça de extinção (com taxas reprodutivas bastante inferiores àquela necessária para manter o número da população), só terão chance de manterem seu lugar no mundo se enfim se tornarem americanos, africanos, indianos, timorenses. Pelo que sei, com os angolanos comprando em peso as propriedades de Lisboa, isso acontecerá fácil.

India de novo!

De volta a India, depois de dois anos. Mais uma vez para o encontro dos historiadores do trabalho. Surpreendentemente, o calor e a secura não estão tão intensos.
Me dei conta que estou me familiarizando com o lugar. Mesmo Delhi - caótica, imensa e miserável - me parece mais manejável agora. Posso prestar mais atenção nos detalhes, como as ótimas feiras, com produtos fresquíssimos e muito variados.
Não terei muito turismo em Delhi, mas descobrirei, enfim, GOA!

Berlin Hauptbahnhof

Haupbahnhof, a estação ferroviária central de Berlin, é um exemplo de arquitetura funcional aliada com alta tecnologia e uma boa dose de elegância. Comparada com outros resultados da remodelação que sofreu a cidade depois da reunificação, é também um resultado bastante original (junto com a cobertura do Sony Center, em Potsdam Platz, que acaba salvando um conjunto arquitetônico, de resto, bastante tedioso).
Hauptbahnhof, entretanto, é também um caso muito curioso de confronto entre a administração da cidade e o seu arquiteto.
O projeto de Meinhard Von Gerkan, de uma estação de cinco andares com design futurista, sofreu uma alteração por parte da prefeitura na sua execução. O objetivo era cortar os custos de uma obra que acabou custando setecentos milhões de euros. O tiro, entretanto, saiu pela culatra: o arquiteto entrou na justiça contra a prefeitura, alegando violação de direitos de "propriedade intelectual": a sua obra de arte havia sido seriamente danificada pela decisão da prefeitura. O arquiteto ganhou a causa em corte, com prejuízos estimamos - para a reforma do que foi feito - de mais de 40 milhões de euros!
Maiores detalhes na edição internacional de Spiegel, de 2006:
http://www.spiegel.de/international/0,1518,451238,00.html

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Caos cronológico

Eu sei. Um blog sobre viagens talvez devesse ter algum compromisso com a cronologia. Mas se assim é, este blog vem corroendo completamente a sua credibilidade há muito tempo.
Eu até poderia apelar para alguma justificativa filosófica (digamos, a simultaneidade psicológica dos múltiplos tempos da memória), mas me parece que há limites para a enganação. Então, francamente, aceito a coisa tal qual é. O leitor (esse desconhecido, esse inexistente) perdoa tudo. Porque sabe, como Baudelaire:


C'est l'Ennui! L'oeil chargé d'un pleur involontaire,
II rêve d'échafauds en fumant son houka.
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,
— Hypocrite lecteur, — mon semblable, — mon frère!
Charles Baudelaire (Fleurs du mal)

Quiosques de Istambul


Não são tão comuns, mas se encontram esses quiosques em vários lugares no centro antigo de Istambul. A semelhança em forma e uso com os velhos quiosques que eram comuns no Rio antigo e que ainda sobrevivem em vários outros lugares (para quem não conhece, procure na Internet o "Bar do Parque" em Belém). O misto de vendinha e boteco, aberto a noite toda, com seu formato "oriental" (bem... é Istambul, não?) torna a semelhança bastante grande. A pergunta é: seria uma importação européia de meados do XIX (como dizem alguns), ou os caminhos da difusão dessa curiosa instituição "globalizada" são outros? Quem inventou o bendito quiosque, afinal? 

Praga (ou "andando de pedalinho no Vltava")


Quando visitei Praga pela primeira vez, no outono de 1993, achei um lugar fora de série. Para um viajante econômico como eu era então (e continuo a ser, mas de outro jeito), ela era uma verdadeira barganha. E estava um pouco a salvo do turismo intensivo de outras cidades igualmente lindas do oeste europeu, como Paris.  Não apenas acessível, mas extraordinariamente bela. Caminhar de noite ouvindo o som de violinos tocados por artistas itinerantes em troca de moedas, sob os vários arcos e sobre as pontes da cidade, era uma surpresa em cada canto. A combinação entre a cidade barroca e a cidade art-nouveau me pareceram então (e ainda mais hoje) perfeita.
Hoje a cidade é uma meca turística. O beleza continua lá, mas o charme perdeu-se um pouco, com a horda de turistas e a proliferação de boutiques chiques. A música também continua lá, mas hoje parece um pouco com uma grande disneylândia hiper-cenográfica, onde cada figurante parece ter sido cuidadosamente colocado ali para impressionar o turista.
Minha nova visita aconteceu no calor do verão. No domingo, a decisão acertada foi experimentar os pedalinhos que são alugados a preços surpreendentemente módicos. O passeio de pedalinho pelo Vltava serviu para lembrar que mesmo uma meca turística e cenográfica esconde seus charmes em algum lugar.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Turco-germânicas

Sobre as ambíguas relações turco-germânicas poderiam ser escritas várias teses (se é que já não foram). Para o visitante, o que impressiona é tanto a onipresença dos imigrantes quanto o gosto generalizado, entre os alemães, por uma iguaria turca que foi mais ou menos inventada por aqui: o döner-kebhab. Há centenas de estabelecimentos que vendem o sanduíche. A base "proteica" é o churrasco vertical que se mostra na foto. O investimento é tão grande que até um instrumental tecnológico próprio foi criado. 

Delícias turcas


Aproveitando a greve dos transportes públicos em Berlin para atualizar um blog virtualmente abandonado, achei que não podia deixar de prestar meu tributo a algumas das memórias sensoriais mais importantes que me ficaram de Istambul...

Harem


Harem em Topkapi


Harem é a parte da casa muçulmana onde as mulheres convivem e à qual os homens de fora não tem acesso. Daí "harem"ser sinônimo de proibido. A nobreza otomana tinha seus harens, onde as várias mulheres  da casa (não apenas esposas e concubinas legítimas, mas também mães e filhas) moravam e conviviam. O únicos homens alheios à família que tinha acesso a essas áreas e as supervisionavam eram os "eunucos" - quase sempre escravos. O sentido estritamente sexual com que a expressão passou ao domínio comum é, provavelmente, pouco realista. O harem dos sultãos otomanos, no Palácio Topkapi em Istambul, é imenso e um belíssimo exemplo da rica decoração imperial. 

As mesquitas de Istambul

Minha primeira viagem em Istambul aconteceu em novembro. Um congresso sobre história do trabalho no Império Otomano e na Turquia. Como sempre, aprendi muito.
Mas o encontro com a cidade foi especial. Uma megalópole entre o Ocidente e o Oriente: o clichê é onipresente, mas a sensação é exatamente essa. Burguesa como Paris, caótica como um mercado persa. Lindíssima, com suas mesquitas quase sem rival e com sua "Hagia Sophia" - a igreja bizantina da Santa Sabedoria (hoje museu) cuja arquitetura parece estar na origem de todas as mesquitas da cidade...

Berlin on the rocks

O inverno em Berlin parece ter terminado. Minhas últimas lembranças do frio intenso já estão diminuindo consideravelmente. Os pedaços de gelo flutuando no rio já se dissolveram quase todos. Esta foto foi tirada há uma semana...

Treptow - Sowjetisches Ehrenmal

O mausoléu dedicado aos soldados do Exército Vermelho que caíram durante o cerco e tomada de Berlin em 1945 é extraordinário. Extraordinário e também um pouco perturbador. 
Ocupa uma área enorme, em um lindo parque que segue ao longo do rio, na área de Treptow - no lado leste da cidade. No centro do parque, o conjunto monumental, organizado em um eixo que tem em um no seu extremo, em elevado, a estátua que ilustra este 'post': o mausoléu, cimeado pela estátua em bronze do soldado soviético que carrega a criança alemã nos braços e tem abaixada a espada sobre a suástica em pedaços. A criança se agarra ao soldado que projeta ligeiramente o ombro direito para a frente, em um gesto de proteção. A espada - arma de ataque - repousa entretanto como um escudo, em posição defensiva. 
Adiante, o que o soldado vê são cinco jardins gramados em sequência, cimeados com grandes coroas metálicas, como grandes túmulos. Distribuídos em sequência, como em uma alameda, são ladeados por 8 pares de grandes lápides de pedra, onde estão gravadas cenas de guerra. Adiante, duas grandes estruturas de granito vermelho em espelho: duas grandes bandeiras soviéticas que se inclinam uma em direção à outra, formando uma moldura. Embaixo de cada uma, um soldado com um joelho tocando o chão, apoiando-se em uma metralhadora. No outro extremo da grande alameda, para além das bandeiras, o soldado com a criança no colo olha uma mulher que tem o punho cerrado sobre o coração: a pátria mãe que chora.
O conjunto monumental, com todos os seus símbolos soviéticos e textos escritos em russo com citações de Stalin permanecem intactos, tal como estava quando o parque foi aberto ao público, em 1949. Apenas dentro do mausoléu, hoje é uma bandeira russa que adorna o túmulo (de um modo um tanto ambíguo, já que não eram apenas russos os soldados soviéticos que conquistaram Berlin).
Todas as escolhas estéticas dos murais e estátuas remetem àquele "realismo" que se convencionou chamar de "socialista". Mas, sobretudo as estátuas em bronze, também remetem a outros monumentos germânicos de antes da guerra que se encontram em outros lugares em Berlin, como o Tiergarten. Lá há essas figuras imensas, forjando espadas que simbolizam a construção da nação. Em contraste, em Treptow as armas estão em repouso, e os soldados lamentam.