domingo, 19 de fevereiro de 2012

Caos cronológico

Eu sei. Um blog sobre viagens talvez devesse ter algum compromisso com a cronologia. Mas se assim é, este blog vem corroendo completamente a sua credibilidade há muito tempo.
Eu até poderia apelar para alguma justificativa filosófica (digamos, a simultaneidade psicológica dos múltiplos tempos da memória), mas me parece que há limites para a enganação. Então, francamente, aceito a coisa tal qual é. O leitor (esse desconhecido, esse inexistente) perdoa tudo. Porque sabe, como Baudelaire:


C'est l'Ennui! L'oeil chargé d'un pleur involontaire,
II rêve d'échafauds en fumant son houka.
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,
— Hypocrite lecteur, — mon semblable, — mon frère!
Charles Baudelaire (Fleurs du mal)

Quiosques de Istambul


Não são tão comuns, mas se encontram esses quiosques em vários lugares no centro antigo de Istambul. A semelhança em forma e uso com os velhos quiosques que eram comuns no Rio antigo e que ainda sobrevivem em vários outros lugares (para quem não conhece, procure na Internet o "Bar do Parque" em Belém). O misto de vendinha e boteco, aberto a noite toda, com seu formato "oriental" (bem... é Istambul, não?) torna a semelhança bastante grande. A pergunta é: seria uma importação européia de meados do XIX (como dizem alguns), ou os caminhos da difusão dessa curiosa instituição "globalizada" são outros? Quem inventou o bendito quiosque, afinal? 

Praga (ou "andando de pedalinho no Vltava")


Quando visitei Praga pela primeira vez, no outono de 1993, achei um lugar fora de série. Para um viajante econômico como eu era então (e continuo a ser, mas de outro jeito), ela era uma verdadeira barganha. E estava um pouco a salvo do turismo intensivo de outras cidades igualmente lindas do oeste europeu, como Paris.  Não apenas acessível, mas extraordinariamente bela. Caminhar de noite ouvindo o som de violinos tocados por artistas itinerantes em troca de moedas, sob os vários arcos e sobre as pontes da cidade, era uma surpresa em cada canto. A combinação entre a cidade barroca e a cidade art-nouveau me pareceram então (e ainda mais hoje) perfeita.
Hoje a cidade é uma meca turística. O beleza continua lá, mas o charme perdeu-se um pouco, com a horda de turistas e a proliferação de boutiques chiques. A música também continua lá, mas hoje parece um pouco com uma grande disneylândia hiper-cenográfica, onde cada figurante parece ter sido cuidadosamente colocado ali para impressionar o turista.
Minha nova visita aconteceu no calor do verão. No domingo, a decisão acertada foi experimentar os pedalinhos que são alugados a preços surpreendentemente módicos. O passeio de pedalinho pelo Vltava serviu para lembrar que mesmo uma meca turística e cenográfica esconde seus charmes em algum lugar.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Turco-germânicas

Sobre as ambíguas relações turco-germânicas poderiam ser escritas várias teses (se é que já não foram). Para o visitante, o que impressiona é tanto a onipresença dos imigrantes quanto o gosto generalizado, entre os alemães, por uma iguaria turca que foi mais ou menos inventada por aqui: o döner-kebhab. Há centenas de estabelecimentos que vendem o sanduíche. A base "proteica" é o churrasco vertical que se mostra na foto. O investimento é tão grande que até um instrumental tecnológico próprio foi criado. 

Delícias turcas


Aproveitando a greve dos transportes públicos em Berlin para atualizar um blog virtualmente abandonado, achei que não podia deixar de prestar meu tributo a algumas das memórias sensoriais mais importantes que me ficaram de Istambul...

Harem


Harem em Topkapi


Harem é a parte da casa muçulmana onde as mulheres convivem e à qual os homens de fora não tem acesso. Daí "harem"ser sinônimo de proibido. A nobreza otomana tinha seus harens, onde as várias mulheres  da casa (não apenas esposas e concubinas legítimas, mas também mães e filhas) moravam e conviviam. O únicos homens alheios à família que tinha acesso a essas áreas e as supervisionavam eram os "eunucos" - quase sempre escravos. O sentido estritamente sexual com que a expressão passou ao domínio comum é, provavelmente, pouco realista. O harem dos sultãos otomanos, no Palácio Topkapi em Istambul, é imenso e um belíssimo exemplo da rica decoração imperial. 

As mesquitas de Istambul

Minha primeira viagem em Istambul aconteceu em novembro. Um congresso sobre história do trabalho no Império Otomano e na Turquia. Como sempre, aprendi muito.
Mas o encontro com a cidade foi especial. Uma megalópole entre o Ocidente e o Oriente: o clichê é onipresente, mas a sensação é exatamente essa. Burguesa como Paris, caótica como um mercado persa. Lindíssima, com suas mesquitas quase sem rival e com sua "Hagia Sophia" - a igreja bizantina da Santa Sabedoria (hoje museu) cuja arquitetura parece estar na origem de todas as mesquitas da cidade...

Berlin on the rocks

O inverno em Berlin parece ter terminado. Minhas últimas lembranças do frio intenso já estão diminuindo consideravelmente. Os pedaços de gelo flutuando no rio já se dissolveram quase todos. Esta foto foi tirada há uma semana...

Treptow - Sowjetisches Ehrenmal

O mausoléu dedicado aos soldados do Exército Vermelho que caíram durante o cerco e tomada de Berlin em 1945 é extraordinário. Extraordinário e também um pouco perturbador. 
Ocupa uma área enorme, em um lindo parque que segue ao longo do rio, na área de Treptow - no lado leste da cidade. No centro do parque, o conjunto monumental, organizado em um eixo que tem em um no seu extremo, em elevado, a estátua que ilustra este 'post': o mausoléu, cimeado pela estátua em bronze do soldado soviético que carrega a criança alemã nos braços e tem abaixada a espada sobre a suástica em pedaços. A criança se agarra ao soldado que projeta ligeiramente o ombro direito para a frente, em um gesto de proteção. A espada - arma de ataque - repousa entretanto como um escudo, em posição defensiva. 
Adiante, o que o soldado vê são cinco jardins gramados em sequência, cimeados com grandes coroas metálicas, como grandes túmulos. Distribuídos em sequência, como em uma alameda, são ladeados por 8 pares de grandes lápides de pedra, onde estão gravadas cenas de guerra. Adiante, duas grandes estruturas de granito vermelho em espelho: duas grandes bandeiras soviéticas que se inclinam uma em direção à outra, formando uma moldura. Embaixo de cada uma, um soldado com um joelho tocando o chão, apoiando-se em uma metralhadora. No outro extremo da grande alameda, para além das bandeiras, o soldado com a criança no colo olha uma mulher que tem o punho cerrado sobre o coração: a pátria mãe que chora.
O conjunto monumental, com todos os seus símbolos soviéticos e textos escritos em russo com citações de Stalin permanecem intactos, tal como estava quando o parque foi aberto ao público, em 1949. Apenas dentro do mausoléu, hoje é uma bandeira russa que adorna o túmulo (de um modo um tanto ambíguo, já que não eram apenas russos os soldados soviéticos que conquistaram Berlin).
Todas as escolhas estéticas dos murais e estátuas remetem àquele "realismo" que se convencionou chamar de "socialista". Mas, sobretudo as estátuas em bronze, também remetem a outros monumentos germânicos de antes da guerra que se encontram em outros lugares em Berlin, como o Tiergarten. Lá há essas figuras imensas, forjando espadas que simbolizam a construção da nação. Em contraste, em Treptow as armas estão em repouso, e os soldados lamentam.