terça-feira, 30 de março de 2010

Hatu Peak


São 3400 metros de altitude. No topo, um templo hindu, que está sendo reconstruído. Mas mesmo ali, bastante gente. Guias se dispondo a fazer passeios nas montanhas por preços módicos. Há até algumas facilidades culinárias, sobre as quais falarei adiante...
Como reclamam que eu não coloco muitas fotos, aí vai mais uma. Me contive para não colocar um retrato meu, expondo as orelhas ao sol inclemente.
Dica: se subir os Himalaias, não esqueça o protetor solar, sim? Eu esqueci.
Namaste...

Na montanha

A subida até o Hatu Peak é mais do que íngreme. A estradinha tem uns 3 metros de largura e, adivinhe só, tem mão dupla...
E tráfego!
Lá em cima a visão gloriosa que a cerração em Shimla não deixa ver nessa época do ano. Sucessivas camadas de montanhas, cada vez mais altas. Estamos nos Himalaias. Surpreendemente (mas talvez não), as íngremes colinas s ao redor são bastante ocupadas, por criadores de maçãs e, em alguns casos, por albergues e hoteizinhos.
O lugar é ainda mais seco que Delhi, mas há muitas, muitas árvores. Uma densa e homogênea floresta de coníferas.
No inverno, tudo isso fica coberto de neve e, mesmo com cerca de 15 graus lá em cima, havia alguns trechos grandes cobertos daquela neve suja que sobreviveu os meses de inverno. Há duas semanas atrás, dizem que estrada para o pico do morro estava intransitável.

Subindo os Himalaias


No sábado, 29 de março, contratamos um cara para nos levar de carro até Narkanda. A viagem, ida e volta, das 8 da manhã às 6 da tarde, não custou mais de 80 reais. Se fossemos de ônibus, seria mais barato que banana. É um turismo barato, se você consegue chegar aqui.
Uns 80 kilômetros, serra a cima.

Himachal Pradesh


Muita gente do Nepal fugiu para esta região depois da anexação pela China. O "pequeno Tibet" fica em algum lugar por aqui, mas a gente vê muita gente de lá. Ao contrário do que eu imaginava, mesmo aqui o budismo não é muito difundido e a gente vê algumas imagens do Dalai Lama em um contexto que é mais hinduísta do que qualquer coisa.
Templos hinduístas, aliás, se vê por todos os lados. Impossível saber a idade, entretanto, já que os novos insistem em se parecerem muito com os antigos. E os antigos, por outro lado, também são cheios desses motivos votivos de gosto duvidoso...
Mas pode ser má vontade minha, né?

comércio do exótico


Eu ainda não havia visto, porque em Delhi não tem mais. Em alguns lugares, há pessoas que fazem pequenos espetáculos com animais, em troca de dinheiro. Eu li que os movimentos pelos direitos dos animais tornaram algumas dessas práticas ilegais. Alguns artistas se tornaram mendigos e em outros casos, eles fantasiam as crianças de ursos e macacos para fazer os jogos e pedir dinheiro. O cobertor moral é curto, como se vê...
Na falta de um urso, uma cobrinha faz o papel direitinho. Fica ali na cestinha, enrolada. Até que um branco abobalhado mostre a indefectível curiosidade pelo exótico, imediatamente satisfeita.
Em Shimla, topei com essa senhora. Paguei dez rúpias e pedi a foto. Me pareceu uma troca justa, mas vai saber...

नमस्ते por hoje...


Depois do último post em estilo "relatório Capes", aí vai uma última foto do IIAS, antes de dormir. Imagino no inverno, com tudo coberto de neve e a vista limpa para os Himalaias ao fundo...
नमस्ते

Conferência no Centro Indiano de Estudos Avançados em 26 de março


A conferência aconteceu na sala em que Gandhi, Nehru e Mohammed Jinna se encontraram várias vezes em 1947 e decidiram os termos da "partição" que deu origem aos estados da India e do Paquistão do pós-independência.
Minha conversa não teve nenhum impacto geo-político digno de nota, devo acrescentar...

Pakhoras in the morning


Nada de sucrilhos e mamãozinho. Os indianos gostam mesmo é de comer algo frito, gorduroso e bem temperado.
Pakhoras (acho que o nome é esse) são empanados em uma massa feita com farinha de grão de bico. Temperos não faltam, especialmente sementes de coentro, sementes de tomilho e cuminho...
Pão empanado para o café da manhã, portanto!

Indian Institute for Advanced Studies


O centro de estudos avançados ocupa o espaço do antigo Vice-Regal Lodge. Inaugurado em 1888, o prédio fica em um lugar chamado "Observatory Hill", o que dá uma boa ideia da vista privilegiada que tem. Dezenas de turistas passam por aqui, mas não podem passar do outrora suntuoso "lobby" entalhado em "teca" (Tectona grandis).
Apesar da suntuosidade, o prédio precisa urgentemente de ajuda. Aparentemente, há uma política local de desprezo pelos prédios que lembram o domínio inglês. Um pouco estúpido nesse caso...
De todo modo, eu imagino quantos gostariam de botar a mão nesse prédio e transformá-lo em um hotel de luxo! Pelo menos seria uma boa forma de escapar do kitch horroroso que domina as construções pós-coloniais por aqui...
Enfim, o mais importante: a biblioteca, com 150 mil volumes, é uma surpresa agradável. Parece que eles aceitam "fellows" de outros países. Posso?

Rododendros


Impressionantes essas árvores com lindas flores vermelhas. Elas pintam as colinas cheias de cedros do Líbano, plantados pelos ingleses no século XIX.
Esta cidade é uma "descoberta" dos ingleses. Fugir do calor de Delhi no verão e vir para as montanhas, cheias de lugares batizados com nomes que lembram as Highlands escocesas. É preciso ao menos elogiar o senso estético colonial. Charmoso, para dizer o mínimo...
Quanto aos rododendros, as tais flores vermelhas, descobri que fazem um xarope com elas. Você mistura na água e... pronto: suco de rododendros. Olho preocupado para a garrafinha que me fizeram comprar em um mercado de Shimla. É verdade que o vinho de ameixa não era ruim, mas e o xarope de rododendros?

Macacos


Não faltam macacos por aqui. Em Delhi já não se vê muitos, mas em Shimla estão por todos os lados. Algumas pessoas andam com bengalas ou pedaços de pau, só para espantar os bichos. Aparentemente, as mulheres são as vítimas preferenciais.
Bem cedo de manhã, eles começam a descer das árvores e se jogar com estrondo nos telhados cobertos de telhas metálicas da casa de hóspedes do Instituto Indiano de Estudos Avançados. Naturalmente, acordar tarde não é uma opção...
Na foto, um jovem audacioso tentando mostrar quem manda no lugar...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Shimla 2

Aqui tudo está literalmente pendurado nas montanhas. Com sorte, dá para umas 50 mil pessoas morarem no lugar. A população de 1 milhão e meio dá uma boa ideia, portanto, dos desafios de engenharia (para dizer o mínimo) que a população local foi capaz de empreender. Às vezes dá medo...
De todo modo, a impressão geral da cidade é muito agradável. A "herança" colonial inglesa não está muito bem cuidada, mas a gente a vê por todo o lado.
Nos hospedamos na casa de hóspedes do Instituto Indiano de Estudos Avançados, onde eram as antigas cavalarias. Simpático, confortável, ainda que um pouco empoeirado.
A incapacidade de atualizar o blog nos últimos dias deve-se à internet do lugar: nada "avançada".
Ah, sim: o lugar é bem mais frio que Delhi. Temperatura realmente temperada!

Shimla


O nome sugere algo de etéreo, não? Shimla... capital do Himachal Pradesh, nas franjas do Himalaia.
Era a capital de verão dos vice-reis ingleses desde o final do século XIX. Rudyard Kipling passou parte da infância por aqui. A casa dele ainda está por lá, ocupada pela delegacia de trânsito...
O lugar é muito diferente de Delhi, não há dúvida. Sem "rickshaws" é melhor andar do que qualquer outra coisa. Em boa parte da cidade, aliás, carro não entra.

Rodoviária

A partida para Shimla aconteceu na quinta, 25 de março, às 10 da noite. Após muita confusão, decidimos que o melhor era pegar um transporte direto e confiável. Encontrei Prabhu e Levin na plataforma 7 da principal rodoviária da cidade.
Uma rodoviária que, aliás, não é muito diferente de uma dessas que se encontra em uma grande cidade brasileira, como o Rio ou São Paulo. Os ônibus são mais detonados, mas para quem já chegou no Tietê às 6 da manhã, não é tão absurdamente caótico como poderia ser.
A viagem para Shimla é montanha acima, cerca de 8 horas para cobrir pouco menos de 400 quilômetros.
Ar-condicionado, paradas periódicas.
Sem emoções, por enquanto!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Conferência na University of Delhi, 22 de março


Na segunda-feira, 22 de março, fiz a primeira "lecture" dessa jornada. Na verdade foi mais uma conversa com alguns alunos da pós-graduação e um punhado deprofessores do departamento de história. Não apresentei nenhuma das duas conferências que preparei, mas falei sobre Carlo Ginzburg, que era o que eles estavam com vontade de ouvir. Comigo, Prabhu e Basudev Chatterji na mesa. Os alunos, como sempre, cheios de atenção e sharp questions.
Na foto, comigo, alguns estudantes e Prabhu, wandering.

Cidade de imigrantes


Delhi é maior do que São Paulo. Simples assim.
E, como São Paulo, foi e é uma cidade que atrai muitos imigrantes, de todos os lados.
A primeira grande leva de imigração veio do Punjab, na época da criação do Paquistão (antigo West Punjab). A partir daí, milhões de imigrantes sem terras foram atraídos pela cidade e os seus arredores, onde tornaram-se a quase totalidade da força de trabalho destituída (the labouring poor) por aqui. Mas desde essa primeira onda nos anos 50 muitas outras se sucederam, sobretudo de trabalhadores vindos de distantes aldeias nas áreas rurais. Isso explica parte da enorme diversidade de gentes e de temporalidades que se encontra pelas ruas da cidade, que vai desde o modo pelo qual os trabalhadores carregam as coisas, as formas de vestir, até o modo como usam as vielas e lugares mais recônditos para aliviarem suas necessidades. Hábitos de camponeses que se justificam pela completa ausência de banheiros públicos.
Os serviços domésticos, em especial, são lugar exclusivo dos imigrantes e antes de mais nada das mulheres. As empregadas domésticas são algo comum por aqui, mesmo nas residências mais modestas. Alguns serviços domésticos acontecem na rua, como esta moça que encontrei passando roupa com um grande ferro à brasa, não muito distante de onde estou, em Maharani Bagh.

नमस्ते e शुक्रिया


नमस्ते !!!

Hotéis com estrutura aceitável em Delhi são caros, mesmo para os padrões internacionais. Assim, hospedagens alternativas estão se multiplicando, sobretudo com a expectativa dos jogos do Commonwealth.De todo modo, depois de Noida fiquei hospedado na casa dos amigos Prabhu e Suvritta, que tem um casal de filhos com 13 e 9 anos. Gente adorável que mais uma vez confirmou a grande sensação de familiaridade que tenho com os indianos no trato doméstico e pessoal. Depois de dois dias por lá, fui para o outro lado da cidade, para uma casa muito confortável no sul de Delhi, no quarto que a dona da casa aluga para estrangeiros. Minha hospedeira, uma médica e "attractive mature woman in her late fifties" não para muito em casa e a senhora que acaba cuidando de tudo não é muito familiarizada com o inglês. "Toast with butter" e chá com leite (chai) são meus companheiros...

शुक्रिया

ps: comecei este post com um "oi" e terminei com um "obrigado".
ps 2: para ilustrar esse post, um cair de tarde perto de Nizzamudin.

Tumba de Humayun


Delhi tem uns lugares lindos. O fim de tarde no parque onde está a tumba do segundo imperador Mughal dá a impressão de que se está em outro lugar. Quase não se nota a cidade caótica e poluída. O senso de prooporção, de orientação espacial, de assentamento, é impressionante. A arquitetura desses extraordinários conquistadores persas é absolutamente perfeita, assim como o fantástico sistema de circulação de água, que garantia que mesmo os terríveis dias de calor (como foi este dia) fossem mais amenos...

O Gato...


A India é campeã do "gato". Talvez os brasileiros é que tenham inventado essa forma curiosa e perigosa de "subtração" de energia da rede pública, mas foram os indianos que a transformaram em uma forma de arte. Confira a foto e me diga se estou errado...

Old Delhi


"Old Delhi" não é, como parece, o bairro mais antigo de Delhi. Mas a Delhi dos Mughals é bem ali: o Forte Vermelho, Yama Masjid (a maior mesquita da India), os bazares de jóias e bijuterias, os mercados de carne (com suas perturbadoras cabeças decepadas de bodes e outras iguarias).
Meu passeio hoje começou na modesta sinagoga de Delhi (correspondente à minúscula população de judeus na cidade) e terminou no Karim, o popular restaurante há uma centena de metros da grande mesquita. Kebabs e nenhuma cerveja (porque, claro, muçulmanos não bebem).
Como há dois anos atrás, da última vez que passei por aqui, estava com o meu amigo Levin. Mais dois colegas de Chicago, "labor historians", Leon e Susan.
Levin deve terminar o doutorado em algum momento dos próximos dois anos. Enquanto isso, tem a gentileza de servir de guia para professores atrapalhados de outros continentes.

Commonwealth Games


Ainda sob o impacto da vitória de Obama no congresso americano (20 milhões de pessoas passarão a contar, se tudo der certo, com cobertura do sistema de saúde), dá para pensar um pouco em termos comparativos. O Brasil tem o SUS, que é uma coisa impressionante (só os brasileiros não acham) e os EUA, se tudo der certo (de novo...), vão ter algo parecido. A India não tem nada parecido, nem a sombra disso. Aliás, nem a China...
Deixando os EUA fora dessa (é mesmo um caso à parte), é bom lembrar que pelo menos entre os BRICs (Brasil, Rússia, India, China) a segurança social (aposentadorias e medicina), assim como a legislação para a proteção dos trabalhadores, não faz muito sucesso.
Na India isso é muito evidente. O acesso à medicina é precário, sobretudo para quem não tem família. Outras facetas disso aparecem por todo o lado...
Agora mesmo Delhi parece um canteiro de obras gigante, preparando-se com óbvio atraso para receber os jogos do Commonwealth em outubro.
Quer dizer, uma olimpíada do antigo império britânico.
Os trabalhadores estão por todos os lados, ganhando dois dólares por dia (ao arrepio da auto-imagem da organização dos jogos) e em condições precárias de trabalho.
Meu amigo Prabhu Mohapatra, cujo coração gigante não consegue deixar de lamentar tudo isso, lembra que mais de 40 trabalhadores morreram desde o início das reformas. Acidentes de trabalho. Quase nada aparece nos jornais.
Anteontem passávamos à noite por uma rodovia onde estão construindo novas linhas do metrô. Um enorme poste de energia havia acabado de cair sobre um auto-rickshaw, matando 2 pessoas eletrocutadas. A linha, com 11mil KW tinha caído sobre a favela que criou-se ao longo da estrada para abrigar os trabalhadores. Podia ter morrido muito mais gente. O motivo da queda, mais uma vez, estava ligado à pressa e a falta de cuidado dos administradores, que não se preocuparam em ver se as escavações eram compatíveis com o terreno instável do lugar...
Claro que a "wealth" (a riqueza) não é muito "common" por aqui.
E viva o Rio 2016!

terça-feira, 23 de março de 2010

Nizzamudim Dargah



"Dargah" é um lugar de oração, um templo construído sobre o túmulo de um homem santo "sufi". O sufismo é uma antiga tradição ligada ao islamismo, uma espécie de islamismo místico, em confronto com o islamismo mundano e, sobretudo, muito diferente do islamismo fundamentalista que vem ganhando força em muitos lugares. Um dos princípios do sufismo é a busca de uma relação direta com a divindade, sem passar por mulás e outros intermediários. Entrar em um lugar como a dargah sobre o túmulo de Khwaja Nizzamudim (que viveu e morreu por ali no século XIV) é fascinante. Fica em uma dessas muitas aldeias urbanas de Delhi: uma ruela cheia de gente cozinhando e falando alto, pequenos restaurantes de trabalhadores, dezenas de pedintes, uma comunidade islâmica encravada por séculos em uma área antiga da cidade. No meio disso tudo, um bazar, vendedores de flores e um portal identificando o lugar. Por ali, um longo corredor cheio de zigues e zagues e gente, que acaba em um espaço aberto com tapetes no chão e ainda mais gente, homens, mulheres e muitas crianças. Os homens sentados, cantando e tocando instrumentos. No centro, uma sala com o túmulo e uma fila de peregrinos. As mulheres não podem entrar nesse pequeno espaço onde está o túmulo onde entrei, com a cabeça coberta e um prato com rosas, cujas pétalas as pessoas jogam para homenagear Nizzamudim.Depois sentei no tapete, ouvindo a música e vendo tudo aquilo: muitos homens com kurtas de algodão, com a cabeça coberta, todos de pés descalços como eu. Mas também alguns jovens com cabelos e roupas no estilo dos filmes de bollywood. Podia ficar horas ali...

Each day a new dessert


A coisa em hindi (mas talvez seja a mesma coisa em urdu) é mais ou menos assim:
Mujhe gulab jamun pasand hei...
Que pode ser traduzido mais ou menos assim:
Eu gosto de docinho de leite em calda de açúcar.
E gosto mesmo...
Em um segundo lugar próximo, kulfi (sorvete de creme, pistache e cardamomo), com direito a um pouco de faloodeh ou faluda (um macarrãozinho branco bem fininho) e calda de rosas...
O grande problema com os doces indianos é esse: só experimentei dois até agora e já pularam para lista dos preferidos...

Sobre a viagem em si...


Voltando um pouquinho:
Passei por São Paulo, para conhecer minha nova sobrinha (Olívia) e dar um alô. Domingo, 14.03, embarquei no vôo da Air France para Paris. 11 horas em uma poltrona surpreendentemente confortável. Duas horas no Charles De Gaulle e mais 9 horas até o Indira Gandhi International Airport. O motorista me esperava com um cartaz com meu nome. Mais uma hora de carro. Cheguei em Noida às 2 da manhã do dia 16 de março, horário local.

Conference


conferência começou no dia 18 e terminou no dia 20. 3 dias intensos, com cerca de 40 papers, umas 70 pessoas entre apresentadores, comentadores, curiosos. Gente de vários lugares, África do Sul, França, Holanda, Indonésia, EUA, Alemanha. Eu do Brasil (e, desta vez, só eu). 20 páginas de ideias escritas. É provavelmente minha conferência preferida, pela qualidade das intervenções, a informalidade, a discussão intensa (mas sempre respeitosa). Nada parecido no Brasil, nem na maior parte dos lugares. Apesar de Noida, apesar da seca, dos mosquitos, da água parada, vou continuar vindo.
Atualizado para 20 de março.

NOIDA and beyond...


Contrariando as minhas expectativas, peguei minhas malas e parti de novo para a India. Segunda vez, na verdade. Na primeira, em 2008, foi para participar de uma conferência organizada pela Association of Indian Labour Historians (AILH). Aquele havia sido meu primeiro contato direto com a India. Uma experiência semi-traumática, como muitas que a gente tem nesse sub-continente. Especialmente quando se chega a uma cidade como Delhi: uma megalópole superpoluída cujo trânsito, as condições sanitárias e a pobreza às vezes me faz ter saudade do Rio de Janeiro e de São Paulo (é claro que às vezes eu tenho saudades dessas cidades, mas por razões completamente diferentes).
Enfim, cheguei por aqui em 16 de março. Mesma experiência traumática: poluição, estação seca (não chove há 4 meses), essas coisas. Para piorar, fui direto para NOIDA, uma cidade satélite localizada há 20 km sudeste de Delhi. Noida é, na verdade, Naveen (Nova, em hindi) Okhla Industrial Development Authority, uma colônia de desenvolvimento industrial criada em 1976 em um lugar que costumava ser uma aldeia pastoril. Agora, shopping centers, centros de call centers, linha nova de metrô (para os Commonwealth Games) e grande quantidade de construções mais ou menos precárias ocupa essa área semi-desértica do Uttar Pradesh.
O que estou fazendo aqui? Bem, é onde acontece o encontro internacional organizado pela AILH, em um centro governamental de formação de trabalhadores. Temos hospedagem e 3 refeições por dia. Mais os mosquitos, o cheiro de água parada, a poeira eterna...
(isso atualiza minhas impressões dos primeiros dias)


segunda-feira, 22 de março de 2010

Discurso de paraninfo, 12 de março de 2010


Nunca havia sido convidado para paraninfo antes e tive que quebrar um pouco a cabeça para não ficar muito feio. O que saiu segue abaixo.

O tom talvez seja um pouco melodramático, mas acho que é inevitável nessas circunstâncias. Como não sei se vai ter um segundo discurso, aproveito para colocar esse aí em circulação. Ao menos os formandos tem o registro, sei lá.

Abraço a todos e obrigado pelo convite.

ps: a formatura aconteceu no dia 12 de março de 2010


Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao convite para ser o Paraninfo da turma de formandos do curso de História do segundo semestre de 2009. Turma Paulo Pinheiro Machado.

Começo com um lugar comum, que é atestar a satisfação pelo convite e pelo que significa, isto é, a escolha do paraninfo, assim como dos demais homenageados aqui presentes, deve testemunhar de algum modo o apreço dos formandos que o escolhem.

O paraninfo é, por definição, uma espécie de padrinho ou preceptor. Confesso, entretanto, que tenho dificuldade de me ver nesse papel tão paternal. Na verdade, gosto de pensar que a metáfora familiar não é a mais adequada para explicar os laços que ligam professores e estudantes. Nessa grande viagem coletiva que é o aprendizado, o conhecimento, a descoberta, o professor ocupa, no melhor dos casos, o lugar do viajante experiente, que divide suas impressões de viagem, suas descobertas próprias e outras que aprende no caminho. Divide seus apontamentos de percurso, seus mapas e seus portulanos com aqueles que estão se preparando para fazer suas próprias viagens. Algumas viagens serão curtas, outras longas, alguns talvez nem cheguem a tomar coragem para sair de perto da costa ou mesmo sair do porto. Outros ainda vão viajar a lugares que os seus velhos mestres nunca sonhariam em ir.

Assim, seguindo a metáfora da viagem, a escolha do paraninfo talvez seja o reconhecimento da trajetória, do percurso empreendido até agora pelo viajante, um viajante a quem se pede, nesse momento, uma palavra de encorajamento, ou quem sabe de alerta. Assumo os riscos, então, dessa tarefa.

Assim, começo com os meus parabéns. Neste momento a Universidade –a universidade pública e gratuita da qual vocês fizeram parte nos últimos anos – lhes confere seu diploma, que nada mais é do que um passaporte. Um passaporte e um título: historiadores.

O título não lhes dá uma profissão ou uma carreira, mas apenas reconhece que vocês estão agora habilitados para se engajar em sua própria viagem como pesquisadores e professores de história. A viagem, posso lhes assegurar, não será fácil. Mas as viagens que valem a pena nunca são.

Como educadores, vocês encontrarão pela frente o resultado de muito tempo de descaso com esse patrimônio precioso que é o saber e o aprendizado. Tempo demais. Vocês viveram isso como estudantes, e viverão como professores.

As muitas palavras que escutamos todos os dias sobre a importância da educação se mostram frequentemente vazias quando constatamos que a profissão de educador continua a ser vista como um mero apêndice, uma tarefa sem prestígio, sem reconhecimento material e com um reconhecimento simbólico cada vez mais reduzido. Isso é verdade certamente no mundo da educação pública onde muitos de vocês se engajarão, mas a escola privada não apresenta um panorama tão distinto.

O futuro? Não se sabe. É possível que a tarefa republicana de pagar a dívida enorme que a Nação contraiu com aqueles que a construíram, os trabalhadores, homens e mulheres, negros, mestiços e pobres de todas as cores, um dia se torne de fato, como todos desejamos, o eixo central de um projeto de refundação histórica de nós mesmos. O papel da educação nesse projeto possível será sem dúvida essencial e só isso justifica em muito a escolha , a vocação de educador, de professor.

Mas é preciso acrescentar que a história humana não nos dá muitos motivos para otimismo. Se há algo que ela nos ensina de fato é que não devemos esperar que o futuro nos traga algo que nós mesmos não nos esforcemos por arrancar dele.

Por isso, minha sugestão é que abracem com força a missão de brigar pela ampliação do papel da educação em nossa vida republicana, uma educação inclusiva que reconheça e valorize o esforço individual e o mérito, marcada pela qualidade, seriedade e entusiasmo. Uma educação que seja também de fato democrática em seu sentido pleno, isto é, que seja um patrimônio coletivo e não o privilégio de alguns.

Tarefa inglória? Talvez. Mas ninguém fará essa tarefa por nós. Nós somos parte do futuro, como cidadãos e como historiadores. Não há como fugir dele.

**

Como historiadores, temos uma responsabilidade a mais.

Os historiadores, na verdade, têm dificuldade de acreditar em fantasmas. Nós sabemos, no íntimo, que não são os mortos que assombram os vivos, mas o contrário. São os vivos que não deixam os mortos em paz, querendo extrair das suas bocas há muito tempo fechadas as justificativas do presente.

A demanda pela história não cessa e dos historiadores muitas vezes se espera que cumpram docilmente a tarefa de serem os fiadores das demandas políticas, identitárias, afetivas e morais dos homens e mulheres de hoje. São demandas legítimas muitas vezes, e há quem se disponha de boa fé a exercer esse papel.

A história faz parte do seu próprio tempo e não pode escapar dele. Não há como fugir a essa demanda civil pela história. Mas isso não significa que os historiadores estão condenados a justificar seu tempo. A lição da história é outra e deveríamos sempre nos lembrar disso. A história não justifica nada.

A história não explica o passado, a história não extrai do passado as respostas do presente. Ao contrário: o estudo da história torna mais complexo o presente, complica o quadro de explicação do nosso próprio mundo, insere a dúvida e nos permite tomar distância do nosso próprio tempo. E essa é a grande qualidade da história, a grande missão intelectual e política da história. Ela expande e torna mais aguda a consciência da nossa própria responsabilidade sobre o presente e isso revela a forte densidade política da discussão histórica.

Assim, meu convite a vocês, jovens historiadores e jovens professores de história, é que se lancem nesse oceano de incertezas com entusiasmo e vontade.

**

Não teria, na verdade, cumprido meu papel como paraninfo aqui se simplesmente me limitasse a apontar os desafios e dificuldades do caminho.

Nesse meu felizmente breve discurso há lugar ainda para falar um pouco sobre o outro lado da viagem.

Disse um pouco antes que a história não nos autoriza o otimismo. Mas eu deveria acrescentar: é pedir demais da história que ela faça isso. O otimismo, ou pelo menos o otimismo da ação, há de ser um valor a se cultivar na vida e na prática profissional que, aliás, faz parte da vida (ainda que, muitas vezes, a gente se esqueça disso).

Assim, não gostaria que a minha mensagem hoje fosse ouvida como uma mensagem sombria e desencantada. Ao contrário, acho muito sinceramente que o desafio, a incerteza, a dúvida que são parte fundamental da nossa existência podem ser também um motivador extraordinário.

O caminho escolhido por vocês, de se tornarem historiadores e educadores, professores de história, é cheio de oportunidades. Eu acredito nisso sinceramente.

Oportunidades de conhecimento, de descoberta, de encontros. Mas essas oportunidades não serão nada se vocês não se desafiarem, não tenham a ousadia de buscar, de se arriscar, de tentar descobrir lugares, experiências, ideias diferentes daquelas que vocês já conhecem, diferentes daquelas (quem sabe?) que os seus professores ensinaram.

A partir daí se descortina um horizonte de novidade e, é claro, sempre, mais uma vez, de incerteza e de risco. Mas qual é a alternativa? Não se contentem, então, com a mediocridade, com a falta de imaginação, com a auto-condescendência. Não fiquem medrosos, refugiados no porto.

Enfim, é isso. No início deste discurso falei que vocês conquistaram um passaporte, o seu diploma.

Ora, o passaporte é o documento do viajante, é a autorização para que ele parta para lugares distantes. Meu único desejo é que cada um de vocês reúna a coragem necessária para fazer valer esse passaporte que têm entre as mãos. O seu prazo de validade dependerá apenas de vocês. Boa viagem.

Obrigado.